Não passe um batom, passe um sorriso
Por Ana Kessler
Eis chegado o grande dia. Você finalmente se permitiu aceitar o convite daquele cara interessante e ir conhecê-lo. Não vai fazer frio, por isso deixe o casaco em casa. Aproveite e deixe também o achômetro, esse aparelho defeituoso que fica piscando na sua mente o que você acha que ele acha (ou vai achar) de você. A opinião dele, é dele. O que ele pensa, é dele. O que ele sente, é dele. As intenções dele, são dele. Preocupe-se apenas com você.
Preocupe-se em observá-lo. E em observar-se. E sentir. Deixe trancados no armário, talvez mesmo coloque naquela sacola cheia de coisas para doar, as opiniões, olhares e palavras infelizes que outros homens disseram a você no passado. Isso também não te pertence, nunca pertenceu. Perceba que você carrega cargas que não são suas. Livre-se delas. Devolva. Queime. Mande pro espaço. Quem é você? Quem é você sem todas as coisas acumuladas que estão aí dentro e não te pertencem?
Você não é velha, seu cabelo não está feio, você não está gorda, sua pele não está caída. Pare com isso. Você seria tão dura e crítica assim com uma amiga? Olhe-se no espelho. Sorria. Você não tem mais a idade que tinha, mas ele não está convidando a sua versão jovenzinha, está interessado nesse mulherão que você se tornou, pois sabe que aí dentro há todas as mulheres que você já foi, e é nessas todas, cheias de vida, de experiência, de riso, de inteligência, de sabedoria que ele está focado, é a sua versão hoje, inteira, que levou-o a te convidar a um encontro. Que ele deseja.
Esqueça a concorrência. Esse sapato é apertado demais para você usar esta noite. Somos 7 bilhões de seres humanos no planeta, é claro que vai haver (ou houve) alguém mais simétrica e com o cabelo mais lambido que a gente. A diversidade é o que nos torna únicas. Apodere-se da sua exclusividade. Só você é você. Isso não basta? Não te parece um milagre da natureza? É simplesmente sensacional! Em meio a 7 bi de pessoas, ele escolheu sair com você. Estar com você. Gastar o rico e escasso tempo de vida dele neste planetinha Terra ao seu lado. Pelamor! Ocupe inteiramente o seu espaço. Não é um ménage, não há lugar para terceiros à mesa. Deguste o momento.
É um jantar, não é cinema. Desligue o projetor. Pare de rodar esse filme com papéis repetidos, com cenas que você preferiria não ter participado. Seu tempo de coadjuvante acabou. Não é o diretor, livros de autoajuda, nem ninguém que vai dizer como você tem que agir para receber elogios. Para ser admirada. Para ser amada. Danem-se os elogios, a aprovação alheia. Seu poder não vem daí, vem do seu ventre, da sua força genuína feminina. Da sua essência. Conecte-se. Confie. Não queria ser protagonista? Pois está aí a sua chance. Entregue-se ao brilhante papel de ser autêntica.
E por último, mas não menos importante, jogue as expectativas junto com aquele chiclete mastigadíssimo no lixo. Não julgue, não projete, incinere o “mas” e o “se”. Viva o aqui e agora, este milésimo de segundo, este sopro de existência. O amanhã é o lugar que a gente quiser que seja, idílico ou infernal, e existe apenas na nossa cabeça. Ele parece real, eu sei. Se fechar os olhos e pensar numa maçã, também parece real. A percepção é traiçoeira. Trabalhe com fatos. Liberte-se de como você acha que será ou deveria ser. De concreto (e lindo) você tem o hoje, um convite, um vestido e um salto alto. Não passe batom, passe um sorriso. Você não precisa mais que isso para ser feliz.