Máfia italiana
Por Ana Kessler
BOOM Restaurant, Spring Street, New York. Uma manhã qualquer de dezembro de 1997. Eu estava feliz da vida: finalmente tinha conseguido um emprego num lugar cool, no SOHO, pertinho de casa. Empolgada, cheguei antes do horário pra fazer bonito no meu primeiro dia de trabalho. Ainda não tinha chegado ninguém, só o mexicano da limpeza, que me abriu a porta: “Buenos días”, “Hola”, foi a nossa famigerada comunicação. Em meio aos nossos sorrisos sem graça, tocou o telefone. Oh-ou. Atendo ou não atendo? Tocou de novo. Ainda não tinha sido treinada para a função. Triiiimmm. Atendi.
“Hello, BOOM Restaurant, may I help you?”
“Salvatore!!! Io quero falar com o Salvatore!!”, gritou uma voz do outro lado.
“Salva o quê? O senhor poderia repetir, por favor?”
“SALVATORE, YOU STUPID, SALVATORE!!”, latiu.
“Pois não, er... ele não está aqui...”
“Ele está no escritório, SUA ANIMAL!!”
Hum, não gostei do animal.
“Pois não, er.. O senhor saberia me informar o ramal do escritório?”, perguntei. O homem enlouqueceu:
“WHO IS THIS??? WHO IS THIS??”. Queria saber quem eu era. “WHO THE HELL IS THIS? Quem diabos eu era.”
“Muito prazer, eu sou a Ana, a nova hostess.. E o senhor?”
“CESARE!! CESARE!! I’M THE OWNER!! O DONO!!! VOCÊ SABE O QUE É UM DONO DE RESTAURANTE, SUA BURRA??”
Hum, também não gostei do burra.
“Muito prazer, seu Cesare...”
Ele bufava e eu podia sentir seu bafo quente saindo pelo bocal do telefone. Disse que estava ligando da Suíça.
“SALVATORE!!! ME PASSA O SALVATORE A-G-O-R-A!!”
“Como?”, perguntei calma, mas apavorada.
“WHAT A HELL ARE YOU DOING THERE? QUE DIABOS VOCÊ ESTÁ FAZENDO AÍ SE NÃO SABE NEM TRANSFERIR UMA LIGAÇÃO, YOU STUPID!!”, arfava.
Me emputeci: “Olha aqui, seu Tchesare, nós temos um problema: o senhor quer ser transferido para o escritório e eu não sei como transferi-lo. Se o senhor continuar gritando, eu vou ficar mais nervosa e aí nós teremos, em vez de um, dois problemas. Então é melhor o senhor se acalmar, baixar o volume e tentar me ajudar...”
“MAS EU NÃO ESTOU GRITANDO!!!!!!”, bradou.
Não, são os meus ouvidos que estão escutando alto, pensei.
“VAI CHAMAR O SALVATORE UPSTAIRS!! NOW!! NOW!! AGORA!!!”, ordenou.
Upstairs? Que andar de cima? Olhei em volta e não vi nenhuma escada. Onde diabos era o escritório? Tô ferrada, pensei. E empalideci. Perdi a respiração por um segundo e quando pensei em me desesperar, pensei: ah, sabe de uma coisa? Azar! Demitida eu não vou ser: ainda nem me contrataram! Larguei o telefone no balcão e, nisso, ouvi um barulho na porta.
Outro mexicano chegava. YES. Num portunhol muito precário, expliquei a situação e perguntei pelo tal Salvatore. Quando falei que o Cesare estava na linha, o rapaz arregalou os olhos como se tivesse visto uma assombração e saiu correndo. Foi avisar o gerente.
Meu tímpano ainda zunia e, apesar da minha calma, eu tremia. Dali a pouco desceu o Salvatore, corcunda como nos filmes de terror, sorrindo meio de lado, todo simpático. Me deu as boas vindas, pediu desculpas e disse rindo que não era nada pessoal, que o Cesare era assim mesmo. Assim mesmo?, pensei. Não, muito obrigada. E eu lá estava num zoológico pra ser chamada de animal? Fiquei 1 mês no emprego. Só o tempo do cara voltar da Europa. E de eu arranjar outro restaurante.
Eu, hein?
*Texto de 1998. Da série: Crônicas de NY
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