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Nova lei das domésticas

Por Ana Kessler

Você está por dentro da nova “lei das empregadas domésticas”? No último dia 21, foi aprovada pela Câmara dos Deputados a PEC (Proposta de Emenda à Constituição 478/10), que equipara os direitos trabalhistas das domésticas, babás e demais trabalhadores em residências aos direitos do trabalhador comum. Isso quer dizer que, tão logo a matéria seja aprovada em segundo turno pela Câmara e passar também pelo Senado, contratar uma empregada será acrescido de encargos como FGTS, jornada de trabalho de 44 horas semanais, adicional noturno, hora extra, creches e pré-escola para filhos e dependentes até 6 anos de idade, entre outra dezena de benefícios onerosos para o contratante. Será o fim da era das babás nas casas brasileiras?


O Brasil é um dos últimos países no mundo que ainda possui esse tipo de mão de obra, resquício de uma época colonial onde havia vários “serviçais” para dar conta dos afazeres domésticos pagos a preço de banana, quando recebiam. De lá pra cá muita coisa mudou e para melhor. Os empregados conquistaram a tão sonhada Carteira de Trabalho assinada, 13º salário, férias, descanso remunerado, salário mínimo. E a PEC só vem a acrescentar os merecidos benefícios à categoria.


Sou a favor e acho muito justo. Mas, infelizmente, não posso pagar o preço. Tão logo batam o martelo desta nova lei, bato o martelo aqui em casa: decreto o fim das empregadas contratadas. Babá que durma, então, nem pensar. Só diaristas e baby-sitters terceirizadas de cooperativas como funciona na Europa e nos Estados Unidos. O que, em parte, é triste.


É triste porque é na convivência que se forma um vínculo afetivo. Não há como não formar. A pessoa está ali, todo dia cuidando do seu filho, da sua casa, da sua intimidade, sorrindo, brincando, dividindo as mágoas, compartilhando seus humores, ela sabe como você gosta do café, atende os telefonemas dos seus amigos, conhece suas preferências culinárias, é quase um casamento. Em contrapartida, você também a ajuda, ouve seus problemas, dá conselhos, empresta dinheiro, leva o filho dela ao médico, incentiva-a a cuidar da saúde, zela pelo seu bem-estar. Além do vínculo empregatício há uma amizade, são duas mulheres auxiliando-se mutuamente, duas guerreiras com histórias de vidas cruzadas e complementares. E com a contratação de diaristas avulsas isso tende a acabar.


Talvez eu esteja sendo, desde já, nostálgica. Por que no meu caso, por criar a Ana Bia sozinha e morar longe da família no Sul, minhas secretárias do lar sempre foram muito mais do que empregadas. São verdadeiros anjos e há uma troca genuína de carinho e respeito. Mesmo quando partem, por diferentes motivos, não nos perdemos de vista. Mantenho contato com elas e suas famílias.


Em 7 anos foram quatro: a Maria, que viu a Bia nascer e ficou conosco por 4 anos até, infelizmente, falecer num acidente de trânsito. A filha dela, a querida Diolanda, que terminou o Ensino Médio e, com grande incentivo (e torcida organizada), arranjou um emprego melhor remunerado. A carioquíssima Jéssica, faceira, que só não continuou conosco porque não quis mudar do Rio pra São Paulo. E aqui em Sampa, a Valda, “Valdão” como carinhosamente a chamávamos em analogia ao Pereirão, personagem da Lília Cabral na novela "Fina Estampa".


A Valda (nas fotos) é gaúcha e uma legítima faz-tudo. De panquecas a costurar a bainha da calça, é daquelas “mãezonas”. Tem seis filhos e 15 netos, morou três meses com a gente, mas não aguentou de saudades da família e da confusão festiva que era a vida dela antes de se enfurnar neste apartamento silencioso de duas pessoas só, onde passava as tardes a bordar. Voltou para a Vila dos Marinheiros, em Porto Alegre, tem uma lojinha de 1,99. À tarde trabalha com a minha mãe na Cruz Vermelha Internacional ajudando, literalmente, todo mundo. Deixou-nos de herança saudade e uma cortina coloridíssima de fuxicos feita por ela, que é o xodó da sala.

Toda vez que nos reencontramos em Porto Alegre, a Valda chora. Lembra da viagem que fez conosco ao Rio de Janeiro, que era o sonho dela conhecer. Vai vir passar as férias em São Paulo ano que vem para perambular pela Rua 25 de Março e abastecer seu estoque da lojinha. E para preparar umas lasanhas, quer me engordar, diz que estou muito magrinha. Eu retruco: “Pensa que me engana? Você quer é emagrecer no SPA dos Kessler”. Ela ri. Perdeu dez quilos morando comigo. E manteve a forma graças aos hábitos de alimentação saudável que aprendeu aqui.


Hoje eu não tenho empregada e carrego o mundo nas costas. Pensava em contratar uma que pernoitasse, no ano que vem, mas desisti. Com a nova lei, doméstica que dorme será um luxo inacessível à classe média. As que não dormem também. E são as mulheres, de ambos os lados, que sofrerão as consequências. Não sou contra a PEC. Ficarei feliz por quem conseguir emprego (ou manter o próprio) dentro da Emenda. Só não acredito que serão muitas. E você, o que acha?


*Texto publicado originalmente no blog De Mãe Pra Mãe, projeto Unilever/MSN (2012). Ao longo de dois anos, as jornalistas Ana Kessler, Adriana Teixeira e Mariana Della Barba escreveram semanalmente sobre maternidade real, sem filtros e com muito amor.

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