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Lei da Palmada

Por Ana Kessler


A polêmica “Lei da Palmada” fez aniversário neste 14 de dezembro de 2012. O projeto aprovado por unanimidade segue na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara sem andamento. Ele propõe a proibição do uso de qualquer ato violento, físico ou psicológico, na educação das crianças e adolescentes. Ou seja, nem grito, nem tapinha, nem beliscão, nem opressão. Diálogo e exemplos construtivos devem nortear a educação infantil.


O acordo já existia entre o Brasil e a ONU desde 1989, em virtude da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança. Em 2007, Portugal aderiu efetivamente e alterou sua legislação. Em 2008, o Conselho Europeu lançou a campanha "Levante a Sua Mão Contra a Palmada" para incentivar a educação positiva. Mas tanto lá quanto aqui, há muitas perguntas e poucas respostas. É tudo lindo na teoria, mas será que funciona na prática?


Na minha análise, só é contra a lei quem bate. E aí entra a diferença entre quem bate muito e quem bate pouco. Os que espancam não vão mudar, não têm autocontrole mesmo e já sofrem o rigor da Justiça quando seus filhos vão parar no hospital. A nova lei incomoda a ala dos pais comuns, os que pensam que afofar o traseiro de uma criança birrenta e tirana de vez em quando é educativo. Uma vezinha que outra. Só pra “enquadrar”. Afinal, antigamente todo mundo apanhava, até dos professores com a palmatória, e ninguém morreu disso, não é mesmo? A esses o assunto entala na garganta: “Como assim o Estado quer se meter na minha casa?”. E está lançada a discussão. Quem aqui nunca bateu na bunda do filho levante a mão? Não, não levante. Agora é proibido.


Castigo não se negocia, se aplica


Aqui em casa o método de “enquadramento” que mais funciona nesta fase dos 7 anos da Ana Bia, além do exemplo diário, é o da privação de algo que ela queira. Eu aviso uma vez, duas e na terceira, olho no olho, dou o veredicto: “Na próxima, você vai ficar sem isso e aquilo". Em geral, só ameaçar já surte efeito. Às vezes, não.


Castigar uma criança é sofrer duplamente. Por ela e por você. É chato ter que bancar a autoritária, ver a criança espernear contrariada e manter o semblante impassível. Eu, pelo menos, odeio esse papel. E os momentos de atrito. Tenho ojeriza a discussões, picuinhas, manhas, chantagens. Minha vontade nessas horas é de abrir a porta da rua e caminhar em linha reta até o fim do mundo. Mas não posso. Preciso ficar e respirar fundo e ensinar o que é certo e o que é errado. Por que dar limites é o que forma um caráter. Mas nem sempre é fácil.

A Ana Bia é a rainha da negociação. Com castigos, então, ela tem sempre uma sugestão “ótima” na manga para amenizar sua pena. Se estivéssemos num programa de auditório seria aquele em que a pessoa entra numa cabine, coloca o fone no ouvido e o apresentador oferece: “Você troca esta bicicleta por uma casca de laranja?”, e o participante, sem ouvir, responde “Siiiiim”, “Nããão”. No caso, ela é o apresentador e o participante ao mesmo tempo.


Se eu determino que ficará sem assistir à novela Carrossel, ela barganha: “Em vez de hoje, pode ser segunda-feira? Segunda e terça? Três dias em troca de hoje? Porrrr favorrrrr”, propõe. Diante da negativa, se conforma: “Ah, tudo bem, amanhã vejo esse capítulo na internet”. Se não pode jogar Wii, quer saber: “Ouvir rádio pode?”. Não. “E ler um livro?”. E lá se vai contente. A vovó Nair uma vez detectou bem: “Essa menina nasceu com o gene da felicidade”. Às vezes é difícil impor limites a uma criança assim. Sigo tentando.


Uma coisa é certa e deixo bem claro: não negocio castigo. Não é quando ela quer, se quiser, como preferir. Cansei de explicar: se a pena for confortável pra ela, a compensação ao erro inexiste. Muitas vezes ela propõe pedirmos desculpas mútuas, ao que concordo. Mas a restrição persiste. “Ah, mãe, mas eu já me desculpei e juuuuro que não vou mais fazer!”. Quando o deslize não é tão grave, dou uma chance: “Ok, vou confiar em você. Mas se voltar a repetir, a pena vai ser em dobro, combinado?”. Combinado. “Que fique bem avisado, heim, dona Bia? Depois não quero nhénhénhé”. “Tááá, mãe”.


E então vem o abraço. Não é por que o mundo ideal é difícil de alcançar que vamos deixar de tentar.

*Texto publicado originalmente no blog De Mãe Pra Mãe, projeto Unilever/MSN (2012). Ao longo de dois anos, as jornalistas Ana Kessler, Adriana Teixeira e Mariana Della Barba escreveram semanalmente sobre maternidade real, sem filtros e com muito amor.

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