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Medalhas de participação

Por Ana Kessler

Vencer é menos importante que superar a si mesma. É esse o ensinamento básico que o esporte (e a vida) nos dá. E a superação só chega com treino, empenho, dedicação, quedas e novas tentativas.


Neste fim de semana teve apresentação de final de ano do departamento de ginástica da escola da Ana Bia. Ela faz as modalidades Rítmica e Artística, o que significou acordar às 6h30 no sábado (ugh!), tomar um café da manhã reforçado e voar para não chegarmos atrasadas à concentração. E que concentração... de pais!


Já não havia mais lugar nas primeiras cadeiras da plateia, só da quarta fileira em diante. Ou seja, um monte de cabeças na minha frente. Eu me achando 'a' mãe medalha de ouro do ano por madrugar num dia de descanso, que horas esse povo acorda? Eles dormem? Não adianta, por mais que a gente se esforce, sempre vai ter alguém para provar que a gente poderia ter feito melhor.


Mas vamos lá, espírito esportivo, resolvi não sentar. "Vou ficar circulando", peguei minha câmera e saí a registrar momentos. Aliás, sempre faço isso. Por dois motivos. O primeiro, como sou mãe solo e não tenho nenhum parente na cidade, me sinto deslocada entre famílias cheias de avós, tios, torcida organizada e eu, ali, com minhas palmas solitárias.


Segundo, porque é uma chance de interagir. Amo fotografar e não me limito à minha filha, acabo sempre clicando um bebê aqui, um abraço acolá, sorrisos, cumprimentos, olhares. E quando a foto fica boa, mostro para a pessoa, mando por email, faço amizade. Aos poucos vou montando uma 'família' de amigos. Assim, o evento seguinte fica mais animado que o anterior. Minha vibração ganha eco.


Parti para os bastidores. E uma se alongava e outra se maquiava, aqui viravam estrelinhas, ali tinha uma barata e era menina gritando, criançada rindo, o sol brilhando, a Bia treinava num canto, irmãs gêmeas bateram a cabeça e corre professora acudir, “já vai começar!”, o Hino Nacional a tocar...


Todas perfiladas, muito eretas, entraram no ginásio. E, ao longo de três horas, vimos apresentarem diante de nós piruetas desajeitadas, saltos tortos, giros imperfeitos. Gastaram seus tempinhos de vida exibindo manobras que, alheias a críticas, lhes dão prazer em executar.


No encerramento, uma mãe comentou comigo que estava frustrada, "poxa, elas treinam o ano inteiro pra isso, virarem umas estrelinhas e dar cambalhotas em alguns segundos de apresentação?". Não pude evitar o riso, é claro que ela tinha razão. Nossas filhas não são ases da ginástica artística, treinam uma vez por semana em aulas de 50 minutos, em turmas de dez alunas. Fazendo uma conta por baixo, se a professora conseguir dar atenção individualizada para cada pupila, elas recebem a bagatela de cinco minutos de exclusividade. Uau.


Então, não, não teremos uma Daiane dos Santos na família. Elas não darão duplos twist carpados, nem unzinho twist, talvez nem mesmo um simples salto mortal (o coração de mãe agradece). Medalhas, possivelmente, só de participação. Mas nossos olhos adultos muitas vezes não enxergam o óbvio. Elas se veem Daianes voadoras!


A Bia se acha incrível cada vez que acerta uma parada de mão caindo em ponte, ela que até ontem só "plantava bananeira" se eu a segurasse. No fundo, é isso o que realmente importa, não é? A emoção de dar um passo adiante, conseguir o que antes não se conseguia. Dar uma cambalhotinha sem graça que foi a coisa mais graciosa do mundo só para, terminado o esforço, buscar os olhos da mãe na plateia e, cúmplices, encherem o peito de orgulho. É, talvez minhas palmas não sejam tão solitárias assim...


*Por Ana Kessler. Texto publicado originalmente no blog De Mãe Pra Mãe, projeto Unilever/MSN (2012). Ao longo de dois anos, as jornalistas Ana Kessler, Adriana Teixeira e Mariana Della Barba escreveram semanalmente sobre maternidade real, sem filtros e com muito amor.

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