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Meia-irmã não, irmã inteira!

Por Ana Kessler


O maior presente de Natal que a Ana Bia ganhou este ano foi uma irmãzinha. Ela nasceu no último dia 21 de dezembro, fruto do segundo casamento do pai. Há anos a pequena me pedia para aumentar a família, ao que eu, zero empolgada, respondia que estava (e estou) muito feliz com uma só filha. Não é que o Papai do Céu ouviu suas preces e atendeu seu pedido?


Adorei a ideia de a Bia ter uma irmã sem necessariamente eu precisar parir. Isso resolveu o problema de forma mágica, ela parou de pedir, eu de dar desculpas. Acrescento: dar desculpas também para não adotarmos um gatinho, um cachorrinho, um hamster, um coelhinho, um qualquer outro animal peludo e fofinho que possa ser sufocado de beijos e abraços apertados e que substitua essa vontade que ela tem de possuir um serzinho a quem possa, bem, sufocar de beijos e abraços apertados. Afora eu.


Desde que foi anunciada a gravidez, Ana Bia obcecou-se pelo projeto “irmã”. Passou a contar a novidade para todo mundo, a pedir para comprarmos fraldas, mamadeiras, vestidinhos, isso e aquilo para presentear a maninha. Numa roda entre amigas, alguém perguntou como era o nome da meia-irmã, ao que ela esbravejou: “Não é meia-irmã, é irmã inteira!”. Sim, sim, Ana Bia tem toda razão. Que mania os adultos têm de categorizar parentescos que nada mais são do que elos plenos de amor.


A coisa toda estava fluindo bem... até agora. Eu achava tudo tão bacana que nem parei para pensar nas nuances emocionais e psicológicas que o nascimento de um novo filho implica, mesmo entre pais separados. Mas de tempos em tempos a vida ergue seu cartaz “Você precisa superar isto para evoluir” e surgem novas questões para refletir.

Viemos passar o Natal em Recife, na casa de familiares. E, desde que chegou, Ana Bia estava anormalmente irritada, rebelde, agressiva, malcriada. Desacatou o meu tio, respondeu feio para a avó, bateu porta, me matou de vergonha. Até que, no segundo dia, após mais um rompante de ira, minha tia, com sua sabedoria de matriarca, foi conversar com ela no quarto. Ao voltar, matou a charada: a Bia está com ciúmes da irmãzinha. Minha mãe e eu nos olhamos, surpresas. “Meu pai agora está lá cuidando das duas”, desabafou a pequena, sem mais nem menos, como quem diz “e não está cuidando de mim”. Simples. Como não pensamos nisso antes?


Sim, o pai dela trabalha na marinha mercante e passa semanas ausente no mar. Sim, ele mora em outro estado e eles se veem pouco, apesar de se falarem por telefone. Sim, há anos é assim e isso nunca pareceu ser um problema. Até agora. A ausência de uma referência masculina é fato notório no comportamento da Bia, que eu e minha família captamos nos pequenos detalhes e estamos atentos. Mas raramente ela explicita. E que bom que o fez.


É um caminho novo pelo qual iremos trilhar. Confesso que, ingenuamente, não tinha parado para refletir sobre o assunto até essa crise. Achava que, pelo fato de ser irmã dela, filha do pai que não tem mais nada a ver comigo, num novo contexto de uma nova família onde a Ana Beatriz é parte integrante, mas eu sou só a “mãe da Bia”, não precisaria me envolver além de mandar presentinhos e felicitações eventuais. Ledo engano. Há o lado de cá.

E do lado de cá há uma menina radiante com o nascimento da irmã que tanto desejou, mas com medo de ter que dividir a atenção e o afeto antes exclusivos, de ter que disputar o já tão pouco tempo disponível do “papi” e, principalmente, de perder o posto de queridinha, o “primeiro lugar” no coração do paizinho que ama e idolatra. Essa menina feliz e confusa é minha filha e, sim, este assunto é meu. Não posso deixá-la à deriva nesse mar revolto de novos sentimentos. Estamos no mesmo barco e já estou com os remos a postos.


Ainda não sei muito bem o que fazer. Nem para que lado remar. Fiz a única coisa que um navegador faria ao se lançar num oceano desconhecido: equipei o barco com o kit de sobrevivência. E nele contém comprimidos de paciência, uma gaze gigante que envolve num abraço, barrinhas de compreensão, um compartimento inteiro de muita conversa e uma pomada que cura tudo chamada amor.


*Texto publicado originalmente no blog De Mãe Pra Mãe, projeto Unilever/MSN (2012). Ao longo de dois anos, as jornalistas Ana Kessler, Adriana Teixeira e Mariana Della Barba escreveram semanalmente sobre maternidade real, sem filtros e com muito amor.


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