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Robert, ele mesmo, o Redford

Por Ana Kessler

Me disseram que ele vinha, eu não acreditei. Até ele entrar pela porta do restaurante como uma aparição abençoada e passar reto por mim, com seu ar perfumado, saído direto dos meus sonhos juvenis, quando então ele era The Sundance Kid, parceiro do Butch Cassidy. Oh, my God!


Ano passado, 1998. Eu estava trabalhando de coat check no Le Refuge, era inverno, frio, neve, aquela coisa toda. Vovós vinham jantar com seus pesados casacos de pele e minha função era pendurar seus coelhos e visons, assassinados, nos cabides.


Naquela noite havia poucas reservas, eu olhava distraidamente a lista de nomes no livro de registros, contando quantas pessoas ainda viriam e calculando que horas eu poderia ir para casa. De repente, o dedo indicador de um dos garçons surge debaixo do meu nariz e aponta um nome na folha de papel: REDFORD.


“O que tem Redford?”, perguntei, ao que ele respondeu: é o Robert Redford. Meus olhos brilharam e eu suspirei: jura? “Juro”, ele disse, caindo na gargalhada junto com o resto do staff. Em seguida, veio o Gabriel, um dos donos do restaurante e, com sua fala mansa de quem não sabe aonde quer chegar, me perguntou se eu estava feliz que o Robert Redford viria naquela noite. Olhei de soslaio para a galera que ria ao fundo e disse, yeah, right, Robert Redford, ah-râm.


Vendo que eu não o levava a sério, ele jurou que era o ator, eu fingi que acreditei. Quando ele saiu, o Toni, um em que eu podia confiar, falou, ah, Ana, não dá bola pra essa gente, eles só estão mexendo contigo, essa reserva é da Mrs. Redford, ela sempre vem aqui. Finalmente uma explicação plausível.


A reserva estava marcada para as 8h. Já eram oito e lá vai pedrada, e nada, nem a tal Mrs. Redford, nem o deus grego materializado do Olimpo e das minhas fantasias agora nem tão juvenis. Fiquei ali, rabiscando um pedaço de papel quando, de repente, charmosas rugas entram pela porta. Não, não era a Mrs. Redford. Era ele.


Por favor, alguém aí achou a minha respiração? Obrigada, ia precisar mesmo pra me locomover até os cabides e pendurar o casaco daquele ser absolutamente sobrenatural e perfeito. Enquanto descia as escadas e me dirigia ao coat room, ia suspirando comigo mesma: que mandíbula, que mandíbula! Adoro essa partezinha que vai de uma orelha a outra, do Robert Redford. É uma mandíbula quadrada, máscula, algo assim como se Deus tivesse pensado em aperfeiçoar a raça humana e colocado mais um acessório, uma glândula qualquer no rosto da espécie. Lindo.

Pendurei o casaco e subi as escadas lentamente, flutuando. Voltei ao meu posto e ele tinha desaparecido do alcance da minha vista. Mas é óbvio que se eu fechasse os olhos, ai, ai, lá estava ele com aquela rica mandíbula. Tinham-no levado para sentar numa mesa lá no salão do fundo. Não o vi mais. Por algum tempo.


Eis que a fome bateu, meu estômago gritou e eu, sua fiel escrava e ama seca, fui alimentá-lo. Me dirigi para a cozinha e petrifiquei. Ele estava vindo pelo mesmo corredor, ele e o seu sorriso de Medusa. Tenho certeza que aquele sorriso tem os mesmos poderes da deusa mítica, mas não, ele não tem cobras na cabeça, tem um cabelo assim ondulado, dourado, penteado pro lado, inebriante. Sorri também, já que chorar não ia ficar bem, cumprimentei e, ai meu Deus, desmaiei à porta da cozinha.


Voltei ao salão principal ainda com fome, o que eu tinha ido fazer mesmo na cozinha? Esqueci. Nem pensava mais na fome, não ouvia mais os roncos suplicantes do meu estômago. Tinha pedido minha carta de alforria. Hoje, eu já estava bem alimentada.


Ele saiu do banheiro e passou sorrindo de novo. Foi ali a primeira vez que eu o vi como homem, e não como uma imagem saltada das telas do cinema. Sabe que ele é a cara dele mesmo? Sempre acho que, quando eu encontrar um artista famoso na rua, ele vai parecer outra pessoa. Mas não, o Robert, ai que chique, já estou íntima, o Robert, é igualzinho ao que a gente vê nas telas mesmo. Nem mais, nem menos. Tudo aquilo.


Homens, eu sei que vocês devem estar achando muita melação, mas esta crônica não foi feita pra vocês e sim pra nós, mulheres. Nós, que sonhamos e acordamos pra realidade todos os dias. Nós que compramos uma imagem de vocês e quando vemos, era tudo um lindo filme. Pois hoje eu me dei o direito de gozar meus anseios: de comprar uma imagem, e ganhar a realidade sim. Só que numa versão melhorada.


Ele passou por mim e desapareceu rumo ao fundo. Olhei em volta, para as outras mesas, e todos disfarçavam, fingindo que não estavam nem aí, que era a coisa mais normal do mundo aquele charme todo frequentar o mesmo lugar que eles, mas eu sei, só eu sei, que no fundo, no fundo, os homens estavam morreeeendo de inveja do derretimento silencioso de suas mulheres com seus olhares furtivos em busca de uma migalha de olhar do Robert Redford.


Eu também estava disfarçando, vocês pensam o quê? Que eu ia me entregar assim de bandeja? Fingia que nem tinha tomado conhecimento da grandeza daquele momento histórico na minha vida. Robert Redford? Quem? Ah, vi sim.. Não, não achei ele assim tããão velho. É claro que não é mais um guri, mas, também, deve ter lá seus 60 anos. Achou ele envelhecido, é? Sabe que nem reparei direito? Dissimulada!


Nem vi quando foi embora. Lembro que me estendeu a fichinha para eu pegar seu casaco preto, mas meus olhos estavam no chão. Eu estava envergonhada, não me pergunte porquê. Queria dizer alguma coisa, mas não disse nada. Busquei o sobretudo, entreguei e ele me deu uma nota de cinco dólares. Agradeci, sorri como uma menininha de 5 anos, um para cada dólar.


Quando cheguei em casa, minhas amigas enlouqueceram querendo ver a tal da nota tocada por ele, mas eu gastei, nem lembrei de guardá-la como lembrança. Ela se foi, assim como o Robert Redford. E, desde então, só o vejo nas telas do cinema. Ai, ai.


*Texto de 1998. Da série: Crônicas de NY

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