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Ensinando (e aprendendo) a pedir desculpas


Aqui em casa eu e a minha filha temos uma regra: quando uma erra e pede desculpas, a outra também pede. Não importa de quem é a culpa, nem o tamanho do erro, as duas perdoam-se mutuamente. Mas nem sempre foi assim.

No início, eu achava que tinha que ensiná-la a, sobretudo, assumir seus deslizes. Que, além de educado, era a coisa certa, a fórmula básica: errou, se arrepende, expressa o arrependimento e se redime. Afinal de contas, é o que o mundo lá fora espera da gente. E é claro que eu não queria que a Ana Bia fosse vista como mal educada.

Então, aos 2 aninhos, quando disputava o brinquedo com a amiguinha, saíam farpas e faíscas, lá ia esta mãe, como todas, doutrinar: “Empresta pra fulaninha, não é legal bater, dá abraço”. Aos 4, “Filha, não pode riscar o desenho da amiga, ela vai ficar triste, pede desculpas”. Tudo ia bem até o dia em que ela virou pra mim e disse: “Eu só peço desculpas se você também pedir”. A frase me atingiu feito um soco, fiquei até sem ar. Como assim? Se ela tinha feito a malcriação, ela me devia desculpas, não eu!

Ana Bia me mostrou que eu estava errada. Entre dois corações feridos, sempre há sobre o que se desculpar. Ela disse: “Eu peço desculpas por ter sido malcriada, mas você por ter gritado comigo”. Novo soco no peito, desta vez em forma de luz. Ela estava certa, certíssima. Um portal de uma nova forma de enxergar o mundo se abriu para mim. Para nós.

Quando duas pessoas brigam, há duas visões envolvidas. Duas verdades. Não importa quem começou, quem disse o que, quem venceu a discussão. Ao se magoarem, ambos perderam. E são merecedores do perdão mútuo, do bálsamo do amor. A partir desse dia passei a procurar motivos nos erros alheios para me desculpar também. Ou por ter provocado, ou por ter me omitido, ou por ter sido conivente ou, simplesmente, por solidariedade.

Assumir metade da culpa da reação do outro é um exercício de humildade. E lógica. Por que comunicação é 50% o sinal que você emite e 50% o que o outro capta. Se o interlocutor devolver a você agressividade quando a sua intenção inicial não foi feri-lo, é fato que houve uma fissura em algum ponto. A culpa pode não ter sido sua, na sua forma de ver. Mas você já parou para pensar se, na visão do outro, a percepção é a mesma?

Se a Bia quebra um copo, eu peço desculpas por não tê-la ajudado. Se ela grita comigo, por tê-la irritado. E deixo claro que não gostei da atitude, ao que ela baixa a guarda e se desculpa em seguida. E assim seguimos. Nas vezes em que, perdida, não encontro motivo para me redimir, peço ajuda: “Você quer que eu me desculpe pelo que?”. Sabiamente, ela responde: “Por nada, mãe, só dizer já está bom”. Às vezes, o que precisamos, no fundo, é de uma força para perdoarmos a nós mesmos.

*

Todo mundo tem seu jeito de lidar com as desavenças. Mas compartilho aqui algumas coisas dão muito certo comigo, quem sabe pode ajudar:

- Colocar-se no lugar do outro é o passo número um, quase instantâneo. Sem isso não dá nem pra começar a brincadeira. Mesmo que o outro seja uma pessoinha minúscula que mal alcança no trinco da porta e está ali, fazendo birra e testando o seu limite de paciência.

- É preciso ter em mente que, independentemente de quem tenha razão (sim, porque muitas vezes nós também erramos), criança obedece e adulto manda. A palavra final é sempre sua, nem que seja para dar o veredicto de que seu filho estava certo. Você carrega o cajado da Justiça.

- Quando o bicho pega, me afasto. Não tento resolver uma rusga muito séria na hora. Deixo a poeira baixar e só então “marco um horário” para conversar. É bom avisar ao outro que você está chateada (assim o outro também vai pensando no que fez) e que quer discutir o ocorrido posteriormente, quando se acalmar. Quando você está equilibrado, é mais fácil impor os limites do que é aceitável e o que não é. No meio da confusão é bem provável que a emoção tome conta e quem passe dos limites seja você. Prefiro não correr esse risco.

- Procuro nunca, jamais, levar uma ofensa ou desaforo para o lado pessoal, deixo o ego de lado. Ego ferido não combina com clareza de ideias. Me faço muitas perguntas: Eu poderia ter agido diferente? Se eu ceder, isso pode dar a entender que estou aceitando que se repita? Por que isso me magoou tanto, será que estou trazendo para essa questão algo mal resolvido no passado?

- Relevar é preciso. Nós temos dois ouvidos e um cérebro entre eles. Ofensas gratuitas e provocativas eu deixo entrar por um ouvido e sair em linha reta pelo outro. Só deixo ficar em mim palavras construtivas, que me fazem crescer como pessoa. Quem já não ouviu um “Eu odeio você!”, “Não quero mais que você seja minha mãe”, “A mãe do fulano é mais legal, ela deixa”. Coisas desse tipo viram samba aqui em casa. Com direito a refrão e risadas.

- Deixo claro para a Ana Bia que, seja qual for o motivo da briga, eu a amo muito e estamos juntas nesse barco, faça chuva ou faça sol. Enquanto eu viver, isso nunca, nunca, nunca vai mudar.

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